Outro dia dei risada quando minha irmã me disse que depois que me mudei pra Holambra fiquei meio caipira. O comentário foi uma brincadeira (séria!), com a melhor das intenções, e claro que não me ofendeu nem um pouco. Muita coisa mudou sim, e hoje curto coisas muito diferentes das que curtia antes. Acho que não abandonei as de antes, mas aumentei o repertório de curtições com prazeres inusitados que só uma cidade brasileiro-holandesa do interior poderia me oferecer.
Aqui passei a viver situações das mais variadas, desde as simples e ingênuas como dar um bolo de presente e receber em troca um imenso cacho de bananas, até conversar numa rodinha de quatro pessoas onde cada um fala uma língua e todos dão risada tentando se fazer entender. Vim para o interior mas ao mesmo tempo conheci mais do mundo, e aqui participo de coisas que jamais pensei existirem. A gente está sempre meio suja de terra, andando de jipe ou caminhãozinho, mas vai comer no restaurante a quilo e escuta holandês na mesa de um lado, francês na do outro, inglês na do outro... É gente do mundo inteiro que vem aqui negociar flores e às vezes até fica para morar. Certamente essa mistura de culturas encerrada numa cidade pequenininha é uma das coisas que faz de Holambra uma cidade muito especial.
Já vi fanfarra tocando samba em trajes típicos holandeses, acompanhei procissão a cavalo da festa da igreja, assisti a corais cantando em latim, encenação de presépio, e ontem, pela primeira vez, a gincana de charretes. Segundo contam os filhos e netos de imigrantes holandeses, as gincanas surgiram logo nos primeiros anos do estabelecimento da colônia por aqui (anos 40 e 50), para entreter e integrar as famílias, que viviam isoladas, sem entender nada de português e sem dinheiro para viajar. Era uma vida simples, rústica, cada família no seu sítio, com muitas crianças - ter 10 filhos era normal - e muito trabalho a fazer. Não existia televisão, quase ninguém tinha carro e as poucas atividades fora de casa eram a escola para os jovens e a igreja para toda a família.
Aí então os mais animados resolveram agitar e inventaram atividades e brincadeiras com o que havia disponível. Assim surgiram os primeiros corais, campeonatos de esportes, os espaços de lazer e as gincanas. Ainda não sei muito sobre as histórias de antigamente, mas o que vi ontem certamente é o que sobrou das brincadeiras rústicas do tempo da imigração, e continua com as características daquela época porque se for de outro jeito não tem a menor graça.
Todos os anos a moçada de vinte e poucos anos se junta para a gincana de charretes, e só mesmo tendo vinte e poucos pra topar as bagunças que eles inventam. É nessa hora que os netos dos imigrantes esquecem as frescuras da cidade grande - São Paulo, Campinas e adjacências - onde estão fazendo faculdade, e encaram água, lama e a poeira da roça.
O dia estava lindo, com aquele céu azul incrível de outono, e as equipes, em charretes e carroças enfeitados com flores e caixas de som, começaram a brincadeira às 7 da manhã. Eu fui de carro (que já passei dos vinte e poucos) parando de prova em prova, pra ver do que se tratava. Na prova do estilingue de ovo um participante puxa o super elástico preso em dois postes e o outro se protege, com uma telha e uma caixa de ovos, atrás de uma trave que emoldura uma telinha (que trata de filtrar as cascas para não machucar a vítima).
Depois as equipes têm que encher vasinhos com terra e flores e levá-los, sobre uma telha quebrada, até a outra ponta do circuito, pisando dentro de pneus sem derrubar nada. Derrubou, perde ponto. Demorou, perde também.
Em seguida, em homenagem aos holandeses, uma prova com batatas, a base da alimentação neerlandesa. A "história" pra justificar a prova era a seguinte: os holandeses chegaram no Brasil e só encontraram arroz e feijão para comer. Mas ficaram com saudades das batatas, e como aqui chovia muito tiveram que colher batatas na lama. Muito bem, então, usando tamancos, quem pegar mais batatas no menor tempo ganha. Um entra no lamaçal e o outro da equipe fica vendado na beirada, segurando um baldinho pra recolher a colheita. No fim, só de molecagem, quem está de fora empurra o vendado e vai todo mundo parar na lama. Das batatas ninguém nem lembra mais.
Toca entrar na charrete e partir para o próximo ponto, atravessando sítios e pomares nos arredores da cidade. Na prova seguinte a vez é do cavalo. Numa charrete da organização alguém da equipe tem que percorrer um trajeto puxando um cavalo de pelúcia e um certo peso em chumbo, de acordo com o peso físico de cada um.
Também vale levar umas crianças, pra pesar mais.
Mais uma andada de charrete e chega-se na prova do pomar, onde o objetivo é colher laranjas e, com o cavalo andando, arremessá-las na bandeja do boneco-garçom. Quanto mais latinhas derrubar, mais pontos.
Por fim vai todo mundo pro lago, remar num caiaque com a maior quantidade de tranqueira que conseguir embarcar. Um rema, o outro empurra nadando, e tem que ir e voltar rapidinho sem deixar nada pra trás.
Depois das provas a moçada volta (cada equipe na sua charrete) pro sítio-base da gincana e faz um churras, que ninguém é de ferro. Tem entrevista pro jornal da cidade, contagem de pontos e premiação, que eu nem sei o que era, mas isso certamente foi o menos divertido.