quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Despedidas

É certo que árvores caem, assim como os animais de estimação morrem e os namoros acabam. Mas não é por isso que a gente deixa de plantá-las, como continua amando gatos e cachorros e se apaixonando sempre que o coração abre uma vaguinha.

Aqui no sítio estamos numa fase de desabamentos, e nem dá pra por a culpa sempre na chuva. Grande parte das árvores daqui é bem antiga: tem jequitibá rosa de 36 anos, nogueira de 58, lichia e jaboticabeira de 60... Por isso o sítio é um delicioso ambiente todo manchado de luzes e sombras e super rico em biodiversidade. Só que como todo ser vivo, árvores ficam doentes, eventualmente sofrem acidentes, fraturas e avarias e um dia também morrem, não tem jeito. E assim como nós, quanto mais velhinhas, mais frágeis ficam.

Nessas horas a gente fica chateada, porque é sempre triste assistir a esses finais. A falecida vai embora em pedaços ou fica estirada ali mesmo, onde caiu, apodrecendo com o passar do tempo, enquanto no espaço que ela ocupava sobra aquela ausência pesada, um vazio que muda para sempre a paisagem. Os passarinhos também ficam meio órfãos - falta pouso, esconderijo e comida.

Por outro lado, é oportunidade de mudança e recomeço. É gostoso pensar numa nova espécie para por no lugar, com um formato de copa diferente, flores de um outro colorido e frutos que atraiam aves que nunca vieram.

Assim estamos, nos acostumando com o final da vida da falsa seringueira (Ficus elastica) e da nogueira (Carya illinoensis)...

Ficus meio vivo meio morto, afetado pelo fogo em maio de 2012, veja aqui

O galho da nogueira pecã caiu de velho, numa madrugada sem vento

bem em cima do tratorzinho dos anos 50 que fica estacionado no jardim

... e já com as ausências do flamboyant (Delonix regia) e da embaúba (Cecropia sp.) que acabou de cair ontem.

Há semanas o flamboyant caía aos pedaços, um galho dos grandes de cada vez

Tivemos que apelar para a motossera antes que o resto caísse sobre a casa do funcionário

A embaúba era um lindo guarda-sol na entrada da casa, mas há duas
semanas o galho de cima do telhado caiu

e a falta de todo um lado desestabilizou os outros galhos

Estrutura interior dos galhos finos da embaúba

Depois que mais um terço da copa caiu, bem em frente à varanda...

... resolvemos que era hora de acabar com todo o resto

Este janeiro parece ser o mês de despedida dessas árvores, sem explicação e por simples coincidência. Os pedaços têm caído à toa, às vezes sem nem um soprinho de brisa. Caem porque acaba a força, porque chega mesmo o fim da vida. É assim.

Ah, e nos primeiros dias do ano uma ventania derrubou uma jovem manduirana (Senna macranthera), que apesar de saudável não se aguentou de pé.

A manduirana da entrada caiu bem em frente ao portão num dia de ventania inesquecível

Sobrou o tronco partido, mostrando que a madeira é tão amarela quanto as flores

Linda, não?

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Do dedo para o pauzinho foi um pulo


Depois que as primeiras dificuldades foram resolvidas e a vida entrou no eixos, percebi que estava começando a fase de aprendizagens, então algumas coisas precisavam ser estimuladas para que um dia ela possa viver solta com as outras rolinhas. Resolvi comprar uma gaiola, porque o engradado de plástico é muito fechado e é importante tomar sol. Além disso uma gaiola é mais segura numa casa com gatos e cachorros, e é mais fácil de pendurar nas árvores.

Outra coisa que me fez decidir pela compra foi a questão dos poleiros. Na caixa ela só andava no plano, sobre o jornal, e precisava aprender a se segurar em galhos. Esse treino começou ainda dentro do escritório, quando ela tomava sol na minha mesa num fim de tarde, andando em volta do computador, e agarrou meu dedo com as patinhas.


Logo substituí o dedo pro um lápis de galho e, de tão natural que ela ficou, saquei que era mesmo preciso começar com a oferecer poleiros.


Com a moça em franco desenvolvimento (e por falta de espaço na gaiola) parei com o abajur, mas meu coração de mãe não teve coragem de desligar o calorzinho por completo, então ainda passei algumas noites deixando um tapetinho elétrico ligado embaixo da gaiola. É como uma lâmpada de 50 watts, está escrito nele. Poderia ter sido uma bolsa de água quente, mas o tapetinho estava à mão, então foi assim.

Nesse tempo as peninhas foram ficando cada vez mais penteadas e eu tive a impressão de que já não era mais preciso aquecê-la de noite, então agora só embrulho a gaiola com o cobertor, deixando aberto um lado quase todo.

Quanto à comida, segui as indicações do moço da loja agropecuária e continuei com a papinha na seringa, mas passei a deixar o comedor da gaiola com quirera e grãos variados e um copinho com água, assim logo ela começa a descobrir que tem novidade à disposição. Mas gostoso mesmo ainda é a comidinha da mamãe...


domingo, 26 de janeiro de 2014

Aprendendo a comer e descobrindo a lâmpada


Rolinha foi instalada no escritório - o único lugar da casa livre de gatos - dentro de um engradado de plástico com tampa de tela, e eu fui para o Google, pesquisar como alimentá-la. Santo Google, que tudo sabe, me ensinou que naquela hora, sexta de noite, eu poderia improvisar uma papinha com fubá e água e dar para ela numa seringa de quatro em quatro horas (menos de noite). Ensinou também que os filhotes de rolinha, diferente dos filhotes das outras espécies de aves, não abrem o bico quando a mãe chega de volta ao ninho, por isso é preciso dar uma "forçadinha" com a ponta da seringa até que eles abram as portas pro aviãozinho entrar.

O que não consegui descobrir na internet foi a densidade certa da papinha de fubá, e acabei preparando uma sopinha amarela que no primeiro dia quebrou um galho. Só que no sábado a tarde Rolinha parou de fazer cocô, e isso não é bom sinal em ser vivo nenhum. Daí fiquei com medo de tê-la entupido com o fubá denso demais e fiz duas rodadas de água pura. Também virei o bichinho de bumbum pra cima e descobri uma rolha verde entalada metade pra dentro metade pra fora. Hora de trocar a fralda.

O domingo foi um pouco tenso. Dei sopinha de fubá, água de novo, e pelo menos vi algum cocô no jornal da caixa. Só que era uma coisa muito líquida, uma água verde folha, parecia tinta, bem estranho. E Rolinha cabisbaixa, amuada no cantinho. Na segunda-feira ela amanheceu fria, tremendo, parecia que ia congelar. Corri numa loja agropecuária e voltei não só com a comida certa (ração para pássaro filhote) mas com a proporção de preparo da papinha: uma parte do pozinho amarelo para duas partes de água. Santo Google falhou nesse ponto. Isso dá uma pomada grossa que eu duvidei que entraria na seringa, e diante dela acabei descobrindo que por dois dias lavei a rolinha por dentro com muita água pra pouco fubá, por isso ela não estava bem. Também pode ter sido o ferro e o ácido fólico do fubá de gente, não sei.


Mas aí tudo mudou, porque comida certa é tudo na vida. Na manhã de terça-feira encontrei uma mocinha bem disposta passeando pela caixa e se acocorando perto da cúpula do abajur que ganhou, porque "eu não sou boba não e sei que aqui é mais quentinho". O abajur tem a haste flexível e eu apontei a cúpula para baixo, senão ficaria longe dela e nem caberia dentro da caixa. O escritório parecia um forno, com aquela luz ligada o dia inteiro, mas ela estava achando bom bem perto da lâmpada, então ficou assim.

Lá pela segunda ou terceira noite de abajur ligado me toquei que o escuro é fundamental para descansar, porque pelo menos na gente existe um hormônio do sono que só é liberado quando todas as luzes se apagam, e talvez ela ficasse estressada não tendo noite nunca. Passei então a desligar o abajur quando o sol se punha e a embrulhar a caixa com um cobertor grosso, com medo que ela voltasse a tremer de noite. De manhã desembrulhava a caixa e ligava a luz outra vez.

Com o passar da semana nós duas fomos aprendendo - eu a ser mãe de ave e ela a ser filha de gente. As horas da comida ficaram cada vez mais fáceis: uma seringa de 3 ml que antes demorávamos quarenta minutos pra esvaziar passamos a dar conta em dez, e lá pra quinta ou sexta-feira ela até já abria o bico quando eu chegava perto com a papinha - novidade no mundo das rolinhas. Comia quatro vezes por dia, tomava um pouco de sol da manhã diariamente em cima da mesa do quintal e passava o resto do dia ao lado do abajur ligado. Apesar dos trinta e poucos graus que fazia no sítio a figurinha queria tanto calor que aprendeu a entrar dentro da cúpula pra ficar bem perto da lâmpada. E eu deixei, porque ela estava ali de livre e espontânea vontade e sabia sair, que eu vi.


Continua.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Voltando, e com bebê a tiracolo


Ando recebendo e-mails de leitores querendo saber por onde ando, o que me deixa muito lisonjeada, e dia desses também a querida Carol, do Minhas Plantas, me disse que anda com saudades de mim mas entra no De Verde Casa e só encontra uma lagarta velha de um post do ano passado. "Ju, você não posta mais?"

Sempre explico pra ela (e já repeti mil vezes, coitada), que ando vivendo a angústia de trabalhar nas mudas de árvores pensando que deveria estar no computador, e de trabalhar no computador angustiada por não estar nas mudas. O blog então…

É unanimidade na região que falta mão de obra, e nem precisa ser da especializada, não. Faltam todas, falta qualquer uma. Uns dizem que são os bolsa isso, bolsa aquilo que fazem as pessoas se acomodarem porque já estão ganhando o suficiente para viver. Outros dizem que quem trabalhava no campo foi para o ar condicionado das indústrias e não quer mais pegar pesado sob sol forte. A explicação certa não sei, o fato é que eu, que nunca escolhi trabalho - nem mesmo quando me mudei para a roça -, ando fazendo de tudo para tapar buracos. Até literalmente, quando ando por aí de enxada na mão movimentando terra.

O resultado é que a horta, as experiências ecológicas e a poesia de fotografar a vida em pequenos detalhes ficam para depois, porque o caminhão de substrato atolou na hora de sair do sítio, o flamboyant está quase desabando na casa do funcionário e o homem da motosserra não pode vir antes da chuva, o cano de irrigação do viveiro estourou na hora de desatolar o caminhão, o mecânico não vai mais entregar o carro hoje e… a Cuca pegou uma rolinha que acabou de cair do ninho!

A captura aconteceu quando eu estava quase saindo, com hora marcada, e é sempre assim. Sorte que a cachorra pega de levinho, acho que pra brincar um pouco com o bicho vivo antes de comer. Como aconteceu bem na minha frente, deu tempo de agarrá-la, abrir o focinho à força e salvar a rolinha criança, toda descabelada e molhada de cuspe. Para eu poder sair, a bichinha foi colocada dentro de uma caixa de transporte de gatos, que era a embalagem arejada mais segura que eu tinha, e passou o dia ali ao lado de quirera e um potinho com água, sem saber para que eles servem. Nem um grãozinho foi bicado, nada de água sumiu dali. Várias vezes durante a tarde fui até ela dar olhadinhas rápidas, pensando "mais um que vai morrer na minha mão".

Já salvei inúmeros passarinhos das mais diferentes situações de risco e a maior parte deles morreu. Os sobreviventes foram os que não tinham se machucado nada, encontrados no chão só em choque, com os olhos parados, sem piscar, mas inteiros e respirando bem. Esses, depois de uns minutinhos de uma topada leve no vidro da janela, por exemplo, logo "acordam" do choque e saem voando. Os que batem forte na janela (assunto para um post, um dia) ou passam um minuto na boca dos cachorros ou dos gatos, esses não têm chance. Sempre morrem, por mais que eu me dedique nos cuidados.

Mas dessa vez Rolinha chegou ao fim do dia viva, inteira, respirando bem e me olhando com reservas de lá do fundo da caixa de gatos. O que fazer? Era um filhote, sem dúvidas, e eu não tinha a menor ideia de como cuidar daquele bichinho. Sempre fui dos peludos, não dos penosos, só que dali em diante éramos eu e ela.

Continua.