sexta-feira, 14 de março de 2014

A filha da mãe


Em noventa por cento do tempo que passo aqui mostrando meus deveres de casa falo de coisas verdes, mas acredito que não só dessa cor são nossas tarefas e obrigações, por isso também tenho vontade de, às vezes, contar outras experiências.

Cresci ouvindo minha mãe dizer que a gente tem a obrigação de reclamar dos serviços que não nos atendem bem. Durante a adolescência me lembro de alguns momentos em que desejei que o chão se abrisse e eu sumisse dentro do buraco: era só minha mãe ameaçar chamar o gerente e eu tinha certeza de que pagaria mico - aliás, mico é expressão e sensação característica daquela longa fase dos 12 aos 20 anos, quando a gente acha que o certo e o bonito é ser e fazer tudo igual a todo o mundo, mesmo que estejam todos errados. 'Inda bem que um dia isso passa. Virei gente grande e, bem educadinha que fui, fiquei igual à mãe.

Na sexta-feria antes do Carnaval tive que ir ao banco e entrar na fila do caixa. Eram duas e meia da tarde da véspera do maior feriado deste país. Éramos 20 pessoas na fila e só duas moças operavam os caixas. Quando não tem solução a gente se conforma e espera, mas aquilo vai irritando, irritando, irritando…

Com a fila andando e eu chegando mais perto do balcão de atendimento comecei a perceber que, além de fazer os saques e pagamentos de contas dos clientes, as atendentes ofereciam e explicavam, a cada um que chegava na boca do caixa, como é o plano de previdência, o seguro de vida, o de carro, o de residência… Não bastasse a quantidade de gente na fila para apenas dois caixas abertos, e o banco se acha no direito de fazer a coisa demorar ainda mais oferecendo produtos e explicando procedimentos que ninguém pediu pra saber.

Se minha mãe estivesse na fila ela já estaria conversando com os da frente e os de trás e convencendo todo mundo a ir na gerente reclamar. Posso até ouvi-la dizendo "a gente tem que reclamar, porque senão eles pensam que tá todo mundo achando bom o serviço e continuam fazendo esse tipo de absurdo com o cliente. Quando só um reclama tem menos efeito do que quando todos reclamam".

Só que era eu ali, então não houve a mobilização dos enfileirados - isso é coisa de cliente profissional e eu ainda preciso me aperfeiçoar. Mas depois de ser atendida fui à gerente reclamar. Disse que não era uma reclamação contra as atendentes, particularmente, mas contra a política do banco que cobra intensivamente dos funcionários o cumprimento de metas de venda de produtos. Sei disso porque conheço gente que saiu do banco por não aguentar a pressão.

Para minha surpresa a gerente fez cara de "concordo plenamente com você" e logo foi pedindo a abertura de mais um caixa. Pena que eu tive que reclamar para isso acontecer. Depois disso fui embora e até hoje ainda não tive que voltar à fila, mas naquele dia saí do banco com a sensação boa de ter reclamado de um abuso, de ter exigido ser respeitada. Só assim as coisas por aqui um dia serão melhores. Porque todos nós sabemos como fica um país quando ninguém reclama e, sem se envolver, engole tudo do jeito que está.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Descansar

A gente devia ser obrigada a viajar de vez em quando, a cada três, quatro ou no máximo cinco meses, só para descansar. Como numa meditação, ir para um lugar onde nada acontecesse, rodeado de muito silêncio e energia boa.

É certo que a paz começa dentro da gente, mas quando ela também está do lado de fora é bem mais fácil relaxar. E mesmo que o retiro aconteça num lugar muito parecido com onde a gente vive, o fato de olhar de fora os problemas renova a serenidade que nos faz perceber que tudo tem solução. A falta d'água, a saúde da gata e o mato nascendo a cada centímetro de terra parecem dificuldades menores quando não estão sob nossa responsabilidade, mas na verdade têm o mesmo tamanho, só não estão pesando no nosso colo.

Já virou tradicional o Carnapira, e no ano que vem (e no outro, e no outro, e no outro…) a gente quer voltar a curtir o sítio da Neide e do Marcos no feriadão. Sob os cuidados desses carinhosos anfitriões e na casinha super cheia de charme, teve:

Café da manhã no jardim com vista para as montanhas

Suco de cambuci que tínhamos congelado em casa, mas que só tivemos
coragem de fazer junto com quem também valoriza

Banho na represa...

… que estava com menos água que o normal (veja o contorno de terra
que no verão não deveria existir) mas pra nadar deu

Existe uma grande diferença entre gente que vive e gente que vive bonito. Entre quem cozinha e quem cozinha com prazer. Entre quem planta e quem planta com amor. Passar dias gostosos em companhia de amigos que dão valor às coisas e querem melhorar a vida e o ambiente em que vivem ensina sempre mais um pouquinho a quem, como eu, gosta de caprichos e toques especiais.

Neide e Marcos compraram, há três anos, uma terra que havia sido pasto. Isso significa que toda a área era coberta de capim braquiária e poucas árvores haviam. De lá pra cá muito têm batalhado - com o próprio muque e a ajuda de um casal de caseiros especiais - para inverter essa paisagem e acabar com o capim sombreando a área toda com árvores. Quem olha para o Dr. Marcos no consultório, de jaleco em dias úteis, não imagina o trabalho físico do médico nos dias de descansar; e o mesmo deve acontecer com quem conhece a Neide só da coluna quinzenal no Estadão: a nutricionista poeta e sabida, que conta suas descobertas com paixão, pega pesado na roça sem parar nem pra beber água. Ela tem uma constituição camelística, diz o marido. Sinceramente, fico com inveja de não ter a energia dela. Quando eu crescer, quero ser igual quiném.

Para colaborar com o reflorestamento e a diversidade levamos o carro lotadinho de mudas - algumas que eles insistem em pagar e outras de presente, que a gente fica feliz em oferecer. No ano passado já tínhamos levado mais de trinta espécies, principalmente frutíferas, então dessa vez escolhemos algumas árvores ornamentais, que a Neide disse que anda com vontade de flores. Foi lofântera, jeniparana, abricó de macaco, além de bastante assa-peixe pra atrair abelhas (que depois descobri que lá nasce espontâneo), cabeludinha pra chupar no pé, olho de dragão, cajá mirim…



Ah, foi também uma jabuticabeira bonita, ainda de quando eu morava em São Paulo, que estava num vaso e há anos pedia para se mudar para o chão. Fiquei feliz por ela, porque casa nova melhor não há! Foto não tenho porque enquanto Neide plantava a muda com os maridos (ela tem um só, o outro era o meu) eu curtia a vida de visita folgada, copiando receitas deitada na rede.

No resto do tempo comemos muita comida boa e curtimos bonitezas e invenções. Coisas como o escorredor de louça, por exemplo, adaptação perfeita de um aramado de armário que de um lado é apoiado no parapeito da janela da pia e do outro é suspenso por uma correntinha quem vem do teto. Assim não ocupa espaço na cozinha nem molha a pia. Genial.



Dendezoca, assim como eu, mais descansou que trabalhou. E Tapioca está viva, graças a São Francisco que fez plantão especial durante a semana, quando Neide e Marcos tiveram que deixá-la sozinha.




Nós voltamos leves, agradecidos pelos dias tão gostosos, com ares de felicidade e uma sensação boa de ter ajudado um pouquinho os amigos a fazerem seu lugar melhor. Do lado de fora, porque por dentro já é só charme…