sábado, 28 de março de 2020


Com quase toda certeza sairei bem dessa fase de quarentena. Tenho mantido a rotina de exercícios físicos, trabalho na horta, cuidados com a casa, com a alimentação etc. Isso tudo, aliás, é basicamente o que já faço há anos e também o que tem sido recomendado para manter a sanidade no isolamento, de onde se conclui que eu já tinha uma rotina saudável.

Infelizmente não posso dizer o mesmo do meu telefone celular. Ele, que tinha uma rotina razoavelmente tranquila e regrada, tem sido bombardeado por porcaria de todos os tipos. Passa o dia inteirinho carregando videos e fotos, que vão de recomendações de cuidados anti-contaminação a sugestões do que fazer durante a quarentena, passando por besteiras das piores até ideias criativas das mais inteligentes e divertidas.
A bateria já não dura o dia inteiro, como era de costume, e ele reluta por um segundo ou dois a passar de uma coisa pra outra, o que fazia com agilidade até duas semanas atrás.

Temo pelo futuro, porque não sei se minha condição financeira por vir me permitirá trocá-lo por um novo, e nem mesmo sei se minha fabricante preferida de aparelhos celulares sobreviverá.
Diante do cenário incerto e pra tentar estender a vida do meu brinquedinho, agora incluí na minha rotina (e na dele) algumas horas diárias apagando arquivos inúteis, coisa que devia ter como hábito já há muito tempo.

A depender da minha disciplina, pode ser que nós dois saiamos melhores de tudo isso. Eu terei aprendido a descartar no ato do recebimento o lixo virtual, e ele voltará à vida normal mais leve, depois de muitas e muitas sessões de desintoxicação.

E antes que alguém me sugira configurar o aparelho para não baixar arquivos automaticamente, explico que isso já está feito, mas como saber se algo presta ou não presta antes de baixá-lo? Meu contatos estão em casa, entediados, e seus bons sensos andam meio assim, assim, duvidosos. Às vezes acertam na mosca, outras dão tiros n'água. Cabe a mim fazer a curadoria do que vale ou não a pena assistir!

sexta-feira, 27 de março de 2020


Dia desses saí para andar de bicicleta e passei por uma experiência inusitada.
Já vinha voltando pra casa quando encontrei uma senhora holandesa numa bicicleta daquelas de passeio, com a bolsa de compras na garupa, vestida com roupa do dia a dia, calça escura e blusa amarela floridinha.
Eu estava toda paramentada, de luva, capacete, bermuda e camiseta de ciclista, músicas animadas tocando no fone de ouvido, pedalando uma bicicleta moderna...
Nos encontramos numa rotatória perto do centro da cidade, eu vindo de uma direção e ela de outra. Dei um sorriso, acenei com a cabeça e fiz um bom dia silencioso com os lábios. Ela entendeu, sorriu e me cumprimentou de volta. Não sei bem quem era ela, mas nossos olhares se cruzaram então fomos educadas e registramos delicadamente nosso encontro.

Segui meu caminho e pedalei por quase dois quilômetros, fazendo força. Passava das onze da manhã, o sol estava forte e o calor do asfalto subia por todo o meu corpo, dificultando ainda mais a volta pra casa. Nessas horas, as músicas animadas da minha playlist ajudam muito, porque dão uma adrenalina bem boa e eu pedalo como dançava aos vinte e poucos anos, nas noites de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Pois de repente vejo de canto de olho uma bicicleta me ultrapassando. Uma dessas de passeio, com uma senhora de calça escura e blusa amarela floridi... EPA! Era ela, a senhora da rotatória!
Lembro de ter dado um sorrisinho meio mais ou menos, bem sem graça, totalmente surpreendida pela velocidade em que ela vinha e pela feição plácida, como se estivesse descendo uma ladeira no frescor da manhã. Fiquei olhando ela passar por mim e murchava um pouco mais a cada volta dos pedais, fazendo muito mais força pra seguir na minha velocidade do que ela pra me ultrapassar. Que ridículo. Até então eu me achava em boa forma, aos quarenta e poucos, toda atleta, saindo pra pedalar três vezes por semana pra manter as pernas fortes.

Tudo o que consegui fazer depois de alguns segundos, quase um minuto, foi sacar o telefone sem parar de pedalar, pra registrar a ultrapassagem histórica. Fiz uma foto dela, bem lá na frente, e é essa imagem que você vê aí em cima.

Cheguei em casa sentindo um misto de vergonha e frustração e resolvi contar para o marido, que deixava escapar um mini sorriso debochado enquanto eu desabafava, meio constrangida. Pelos detalhes que descrevi ele sabe exatamente de quem se trata, e me falou mais ou menos a idade dela.

Isso aconteceu já faz uns dias, e nesse tempo me recuperei da humilhação e estou aqui contando a coisa em público: tomei um baile de uma senhora na casa dos setenta. Ela tem pelo menos uns vinte e cinco anos a mais que eu e não adianta esconder, ainda falta muito arroz com feijão pra eu conseguir acompanhá-la num passeio de bicicleta pela cidade.

Olhando por outro ângulo, ainda restam esperanças. Se desde os trinta eu pedalo por aí, alguma chance tenho de chegar ativa aos setenta, pedalando por quase dez quilômetros pra fazer compras na cidade como ela, minha diva, musa inspiradora! :)

quinta-feira, 26 de março de 2020


Em 2009 comecei um blog porque sentia vontade e certa urgência de conversar sobre inquietações ecológicas, sugerir ideias e mostrar mudanças de hábitos que vinha experimentando em minha própria vida diária.

Em 2019, quem diria, inaugurei a Escola Orgânica Holambra, uma escola de educação ambiental, porque com o passar de 10 anos mudando hábitos e pesquisando uma vida mais consciente, me pareceu urgente ensinar as lindezas que descubro todos os dias, mostrar que o contato com ambientes naturais só traz coisas boas (mesmo quando elas são difíceis) e que, apesar de já falarmos em consciência ecológica há pelo menos 20 anos, ainda temos muito a aprender e a ensinar; e escola é isso, uma via de mão dupla.

Estamos em março de 2020. Mal inauguramos a escola e já tivemos que entrar em recesso. Estamos todos em compasso de espera e proteção, tentando nos isolar de um vírus.
E para onde voltou a minha vida? Outra vez para a horta, para a pesquisa de novos hábitos, para o escrever, para o fotografar... E para o De Verde Casa.

Voltei ao blog, meu registro de descobertas, para agradecer tudo o que veio através dele.
Era um caderno com fotos e acesso livre pra quem quisesse ler. Eu escrevia e recebia visitas.
Pois veio muito mais do que eu jamais imaginei.
Ganhei amigos e uma nova família - hoje peças fundamentais na minha vida -, novos trabalhos, uma nova cidade para viver, novos interesses, novos projetos...quanta coisa! Mudou tudo, tudo, tudo.

A gente às vezes se envolve em pequenas coisas e não pode imaginar que elas talvez sejam o buraquinho da fechadura do portal para um mundo novo. Que se insistirmos em enfiar a chave ali, se dermos as voltas completas pra destravá-la e depois tivermos a coragem de pressionar a maçaneta e abrirmos uma frestinha... Uau!

Que nesse momento de isolamento em casa você possa se dedicar a algo que te chama e a que você tem respondido "agora não da, agora não da". Você diz que é por falta de tempo, mas no fundo sabe que falta mesmo é coragem. Talvez eu esteja escrevendo isso para mim mesma, me desculpe se te uso como pretexto, mas quem sabe não aproveita a oportunidade, pega na minha mão e vamos juntos?